A História deve ser o elo entre o passado, o presente e o futuro. Ao pensar o passado queremos saber na verdade sobre quem somos, ou melhor, sobre quem queremos ser. Por esta razão, um espiríto crítico é indispensável para quem a estuda. É com esse espiríto que você deve acessar esse blog. Boas leituras!!! (Prof. Marcel0)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Comemorações da Paixão de Cristo: escravidão, liberdade e paternalismo em Catu (1885)

A escravidão do africano e de seus descendentes foi uma das maiores vergonhas da humanidade. Aqui no Brasil houve, durante os períodos colonial e imperial, milhões de pessoas que tiveram o simples direito a liberdade negada jurídicamente em favor do imfame comércio. A Bahia foi uma província onde essa modalidade de mão-de-obra foi bastante acentuada, principalmente no Recôncavo. Entre os municípios que mais se destacaram dentro desse circuito, esteve a cidade de Catu, pois as terras catuenses eram bastante férteis para o cultivo de cana-de-açúcar para a exportação. Esse produto, no decorrer do período imperial, era produzido unicamente e exclusivamente sob a mão-de-obra forçada.
É nesse contexto que encontramos a carta de liberdade da Dona Maria Fellipa de Barros. No ano de 1885, ela resolve "conceder" a liberdade a escrava Joana, através do seguinte argumento:


Carta de Liberdade da escrava Joana crioula, de Dona Maria Felippa de Barros

Eu, Maria Felipa de Barros como uma prova de respeito e veneração que presto ao dia de hoje, em que a Igreja comemora a Sagrada Paixão e Morte de nosso senhor Jesus Cristo e atendendo aos bons serviços, que me tem prestado minha escrava Joana, crioula, com quarenta e cinco anos de idade, mais de menos, matriculada sob os números 3843 da matrícula qual e 4 da minha relação, numero 307, apresentada no cartório da Vila de São Francisco, a qual foi casada com Carlos, já falecido, a liberto pela diminuta quantia de cinqüenta mil réis, que a essa data recebi, e para que goze de agora em diante da sua liberdade, lhe mandei passar a este título irrevogável [...]. Catu, 24 de abril de 1885. (Livro de Notas da Vila de Santana do Catu, 1885-1887, p. 53)

Observe o querido leitor que a senhora Maria Fellipa, resolve libertar a escrava, obtendo um lucro "diminuto" sobre a sua "propriedade", mas argumenta que o faz em nome de uma comemoração "santa". A crioula Joana já tinha a idade de quarenta e cinco anos e estava ficando velha de mais para o trabalho duro. As leis abolicionistas estavam intensificando á inevitável realidade da abolição, mas mesmo assim a senhora resolve expor a sua "bondade" diante de todos. Quais seriam a suas intenções reais? Será que a Dona Maria Felipa realmente estava estar fazendo um ato de caridade? Contudo, outra leitura possivel da ação dessa senhora pode ser encontrada dentro da lógica paternalista, pois o seu ato de "caridade" poderia significar, ao menos para os senhores e senhoras, um sinal de benignidade para os negros que continuavam cativos.
O paternalismo era a forma encontrada pelos senhores e senhoras de escravos para se sentirem melhor com a prática do vil comércio e era também uma forma de [tentar] harmonizar uma relação que desde a sua origem, já era marcada pela injustiça epela desigualdade.
Repare que a senhora, além de oferecer esse sacrificio a Deus, ainda "atende aos bons serviços" da crioula Joana. Era como se ela talvez dissesse: se vocês outros escravos meus que ainda continuam aqui cativos forem bonzinhos "talvez" um dia eu os liberte, como estou fazendo com e a "boa" negra Joana.
A pretensa religiosidade da senhora esbarra no fato de que a "libertação" da crioula Joana era muito mais uma demonstração de sua "bondade" e uma tentativa de expressar a "harmonização" das relações desiguais entre senhores e cativos do que uma atitude propriamente cristã. Aliás, nem isso ela fez de fato, pois a quantia que pediu em pagamento pela liberdade da negra, embora "diminuta", não esconde a verdade que a negra Joana foi quem comprou sua liberdade.


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