A História deve ser o elo entre o passado, o presente e o futuro. Ao pensar o passado queremos saber na verdade sobre quem somos, ou melhor, sobre quem queremos ser. Por esta razão, um espiríto crítico é indispensável para quem a estuda. É com esse espiríto que você deve acessar esse blog. Boas leituras!!! (Prof. Marcel0)

terça-feira, 20 de abril de 2010

Literatura, humor e sociedade

Caros alunos. Em meio ao meu material de pesquisa sobre literatura baiana das primeiras décadas do século XIX, encontrei o seguinte conto do escritor Xavier Marques, publicado no Jornal carioca "A manhã" em 07 de dezembro de 1941. É hilário! Vale a pena ler:

A vida do homem
(Conto Sertanejo)
Deus criou o homem e disse-lhe:
- Vai, serás o senhor da terra e o animal superior. Grandes trabalhos e surpresas te esperam, mas de todo triunfarás de fizeres a sua parte
A tua felicidade muito depende do teu querer. Viverás trinta anos.
O homem ouviu e calou-se.
Deus criou o burro e disse-lhe:
- Vais viver como escravo do homem, conduzi-lo a ele e a todos os fardos que puser às suas costas. Serás bastante discreto e paciente para suportar, além da carga pesada, as privações que te forem impostas durantes as viagens. Viverás cinqüenta anos.
O burro meditou e respondeu:
- Escravidão, cargas, privações, e viver cinqüenta anos... É muito, Senhor: bastam-me trinta.
Deus criou o cão e disse-lhe:
- Vais ser o companheiro do homem de quem guardarás, sempre alerta, a portam servindo-o inteira obediência, ainda que não recebas mais do que ossos para matar a fome. Sofrerás açoites, mas humilde e fiel, tens que lamber a mão que te castiga. Viverás trinta anos.
O cão pensou e refugou:
- Vigiar dia e noite, ser açoitado, padecer fome e viver trinta anos... Não, Senhor, quero apenas dez.
Deus criou o macaco e disse-lhe:
- Vai; o teu oficio é alegrar o homem. Saltando de galho em galho ou atado a um cope, procurarás, imitando-lhe os gestos, arremedando-o, fazendo esgares, dissipar a tristeza e entreter-lhe o bom humor. Viverás cinqüenta anos.
O macaco pestanejou e pediu:
- Senhor, é demasiado para tão indigno mister: Basta-me viver trinta anos.
Vinte anos que o burro não quis, vinte que o cão enjeitou, vinte que o macaco recusa, daí-mos Senhor, que trinta anos são muito poucos para o rei dos animais.
- Toma-os acedeu o Criador. Viverás os noventa anos, mas com uma condição: cumprias em tua vida não só o teu destino, mas também o do burro, o do cão e o do macaco.
E assim vive o homem:
Até os trinta anos, forte, corajoso, resistente, arrasta perigos e estorvos, luta com resolução, vence e domina: é homem.
Dos trinta aos cinqüenta tem família e trabalha sem repouso para sustentá-lo. Cria os filhos, afadiga-se por educá-los, e garanti-lhes o futuro. Sobre ele se acumula os encargos: é burro.
Dos cinqüenta aos setenta está de sentinela à família. Dedicado, dócil, seu dever é defendê-la, mas não pode em tudo fazer valer a sua vontade. Contrariado, humilha-se e obedece: é cão.
Dos setenta aos noventa, sem força, curvo, trôpego, enrugado, vegeta a um canto, inútil e ridículo. Faz rir com a sua gula, sua caduquice e sua própria rabugem. Sabe que não o tomam mais a sério, mas resigna-se e tem gosto em ser o palhaço das crianças: é macaco.

(MARQUES, Xavier. A vida do homem In: Suplemento Literário do Jornal A Manhã, Rio de Janeiro, 07/12/1941).

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